Perto da universalização do acesso à internet, Brasil ainda tem maioria da população com baixa conectividade significativa, revela novo estudo

Embora o país caminhe para a universalização do acesso à Internet, com 84% de seus habitantes de 10 anos ou mais usuários da rede, somente 22% dos brasileiros a partir dessa idade têm condições satisfatórias de conectividade. Para a maioria (57%), a realidade é menos positiva. A constatação faz parte do estudo inédito “Conectividade Significativa: propostas para medição e o retrato da população no Brasil“, lançado nesta terça-feira (16), em Brasília (DF), pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br/NIC.br), o levantamento oferece uma avaliação detalhada das lacunas existentes no acesso, no uso e na apropriação da Internet no contexto nacional. O material também será apresentado durante reunião do G20 neste mês.

O estudo propôs um método para mensurar a qualidade e efetividade do acesso da população às tecnologias digitais, a partir da construção de uma escala derivada do processamento de indicadores da TIC Domicílios – a mais abrangente pesquisa amostral domiciliar especializada em tecnologias da informação e comunicação feita no país. Como referencial analítico, recorreu-se à ideia de “conectividade significativa”, um conceito em construção e apoiado no entendimento de que a conexão deveria permitir utilização satisfatória de vários serviços na Internet, possibilitando o aproveitamento das oportunidades no ambiente online.

Foram definidos nove indicadores, agrupados em diferentes dimensões (acessibilidade financeira, acesso a equipamentos, qualidade da conexão e ambiente de uso). Quatro descrevem atributos individuais e os outros 5 refletem características dos domicílios. São eles: custo da conexão domiciliar, plano de celular, dispositivos per capita, computador no domicílio, uso diversificado de dispositivos, tipo de conexão domiciliar, velocidade da conexão domiciliar, frequência de uso da Internet e locais de uso diversificado.

A partir da soma das 9 variáveis selecionadas, os pesquisadores estabeleceram diferentes níveis de conectividade significativa, o que resultou numa escala de 0 a 9 para cada pessoa presente na amostra, na qual o score 0 indica ausência de todas as características aferidas, enquanto o 9 denota a presença de todas elas. Dentre as 4 dimensões analisadas, foram os indicadores de acessibilidade financeira que apresentaram o pior desempenho, seguidos pelos de acesso a equipamentos e de qualidade da conexão.

“A complexidade do cenário atual, marcado por rápidos avanços tecnológicos, tem exigido um alargamento da compreensão sobre inclusão digital. Considerar o nível de conectividade de um país pela quantidade de usuários de Internet entre seus habitantes não é mais suficiente. Os debates mais recentes no Brasil e no exterior sobre a questão enfatizam a necessidade de pensar na conectividade de maneira abrangente. Para entendermos melhor nossa realidade, decidimos dar um passo além e, numa iniciativa inédita, investigamos a qualidade da conectividade dos brasileiros por meio de diferentes recortes”, destaca Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br|NIC.br.

“Não estamos defendendo que se trate de uma abordagem única e exclusiva para medir o fenômeno, mas de um exercício analítico, e que terá de ser revisado no futuro. Sabemos que os condicionantes de qualidade de acesso mudam à medida que as tecnologias se modificam, e os usos que as pessoas fazem delas variam. Nossa intenção é contribuir com o debate em nível global a partir de uma experiência concreta”, acrescenta Barbosa.

Maioria na pior faixa

Os resultados por faixas de conectividade revelam que o maior grupo observado é o com scores de até 2 pontos, e que corresponde a um terço (33%) da população. Se essa proporção for somada com a do grupo que ocupa a faixa de 3 a 4 pontos (24%), é possível afirmar que 57% dos brasileiros estão em situação de baixa conectividade significativa. Somente 22% alcançaram a maior faixa (de 7 a 9) e 20% ficaram na de 5 a 6 pontos.

Considerando exclusivamente como usuários aqueles que se conectaram à Internet ao menos uma única vez nos 3 meses anteriores à sondagem), as porcentagens são: 23% (0 a 2 pontos), 27% (3 a 4 pontos), 23% (5 a 6 pontos) e 26% (7 a 9 pontos). Já os não usuários obtiveram os seguintes resultados: 86% (0 a 2 pontos), 11% (3 a 4 pontos) e 3% (3 a 4 pontos).

“Mesmo não usuários diretos de Internet podem apresentar algum grau de conectividade, caso convivam ou residam em local com conexão, por exemplo, o que aumentaria as chances de esse indivíduo ter algum aproveitamento da rede, ainda que de maneira indireta, por meio da ajuda de parentes ou conhecidos”, explica Graziela Castello, coordenadora de estudos setoriais no Cetic.br e responsável pelo levantamento.

Apesar do cenário desafiador, houve uma melhora gradativa ao longo da série histórica da TIC Domicílios, que vem sendo realizada pelo Cetic.br de forma ininterrupta há 19 anos. A análise retrospectiva dos níveis de conectividade significativa identificou uma redução na disparidade entre os grupos que ocupam os extremos da escala. Em 2017, 48% da população tinham score entre 0 e 2 e apenas 10% estavam na faixa de 7 a 9 pontos – uma distância de 38 pontos percentuais. Em 2019, a diferença entre eles recuou para 29 p.p.; em 2021, para 22 p.p.; e, em 2023, para 11 p.p.

“Esse quadro sugere uma tendência positiva, mas ainda que tenha sido detectada uma melhora progressiva, é preciso celeridade para reduzir as disparidades de conectividade no Brasil, que são reflexo direto das desigualdades que marcam a estrutura social do país”, ressalta a coordenadora.

Camadas e dimensões

O estudo incorporou análise em duas camadas, considerando dimensões territoriais, sociodemográficas e socioeconômicas, e aferindo a qualificação para o uso da Internet, bem como os tipos de atividades desenvolvidas na rede. “Com a primeira camada, tentamos identificar as brechas em inclusão digital. Já a segunda diz respeito à avaliação dos níveis de conectividade por habilidades digitais e atividades online, o que nos permite avançar na compreensão sobre as condições da população para o aproveitamento das oportunidades e o gerenciamento dos riscos postos pelo mundo digital. Juntas, elas nos permitiram compreender as nuances da conectividade digital no país”, comenta Graziela Castello.

A dimensão territorial (com recortes por regiões do país, áreas rurais x urbanas, unidades da federação e porte dos municípios por tamanho da população) abrange a distribuição geográfica do acesso e sua qualidade, enquanto a dimensão sociodemográfica analisa a conectividade em relação a presença de crianças no domicílio, idade, sexo, cor e raça. Já a dimensão socioeconômica considera a relação entre a conectividade e características dos indivíduos tais como: classe socioeconômica, presença na força de trabalho, escolaridade e ser (ou não) beneficiário de programa social. A avaliação feita com base nesses aspectos mostrou que as piores condições para conectividade significativa estão concentradas nos grupos populacionais historicamente excluídos.

Principais resultados

Norte e o Nordeste têm as piores condições de conectividade significativa, com apenas 11% e 10% da população, respectivamente, na faixa entre 7 e 9 pontos, e 44% e 48% (na mesma ordem), ocupando o outro extremo da escala (até 2 pontos) – a média nacional é de 33%. Em contrapartida, Sul (27%) e Sudeste (31%) registraram os melhores índices, sendo as únicas regiões no país em que a quantidade de habitantes na maior faixa é superior do que aquela na pior faixa.

A área e o porte do município de residência também demonstram forte associação com o nível de conectividade significativa. Quanto maior a cidade, melhor o desempenho. Naquelas com até 50 mil habitantes, 44% da população encontra-se na pior faixa da escala. Nas com mais de 500 mil habitantes, por sua vez, a proporção negativa cai quase pela metade (24%). Em relação à área, enquanto 30% dos habitantes das localidades urbanas estão no grupo de pior faixa (até 2 pontos), 54% da população em zonas rurais encontra-se nessa condição.

No recorte de faixa etária, o levantamento confirma a maior vulnerabilidade à exclusão digital dos idosos: 61% dos brasileiros com 60 anos ou mais apresentam scores mais baixos (até 2 pontos) de conectividade significativa, proporção muito acima da verificada no país de maneira geral (33%). E, diferentemente do que sugere o senso-comum, os dados desmentem a ideia de que os mais jovens apresentariam melhores indicadores no mesmo quesito. O estudo revela que somente 16% e 24% daqueles com idades entre 10 e 15 anos e 16 e 24 anos, respectivamente, estão na faixa mais alta (entre 7 e 9 pontos). Os níveis mais elevados ocorrem justamente entre os grupos etários de maior incidência no mercado de trabalho (entre 25 e 44 anos).

“O estudo questiona a ideia de que os gargalos para inclusão digital seriam sanados por uma possível transição geracional, uma vez que os jovens já seriam super conectados. Quando olhamos para os usuários de Internet de maneira geral, isso se confirma, mas ao complexificarmos a análise e entendermos a conectividade como um todo, fica claro que uma parcela importante desse grupo possui condições precárias de conectividade e vai ingressar no mercado de trabalho com uma desvantagem grande. A realidade de um jovem que mora na periferia e não tem qualidade de conexão é muito distinta da de um jovem da mesma idade que tem melhores condições. Essas diferenças potencializam desigualdades já existentes”, alerta Graziela Castello.

A proporção de pessoas com melhor conectividade significativa também é consideravelmente maior entre os entrevistados do sexo masculino (28%), na comparação com os do sexo feminino (17%) – 11 p.p. de diferença. O estudo enfatizou que examinados isoladamente, alguns indicadores de acesso às tecnologias não evidenciam as desigualdades entre homens e mulheres. Por exemplo, a prevalência de usuários de Internet no Brasil mostra distâncias pouco significativas entre esses dois grupos. Contudo, uma análise combinada de indicadores revela condições de conectividade mais precárias para a população feminina, sublinhando barreiras pré-existentes para sua inclusão produtiva, equiparação em renda, incidência pública e participação na vida social, política e econômica do país.

Essa desigualdade também fica evidente na análise dos dados com base na autodeclaração de cor ou raça dos respondentes. Entre os brancos, 32% estão na faixa mais alta (score entre 7 e 9). Já entre pretos e pardos, a porcentagem cai para 18%.

A pesquisa identificou ainda que, quanto maior o grau de escolaridade, menor a proporção de brasileiros com score entre 0 e 2 e maior a proporção daqueles na faixa entre 7 e 9. Entre os que possuem até o Ensino Fundamental I, a maioria (68%) está na pior faixa de pontuação, e apenas 3%, na melhor. O quadro se inverte entre os com Ensino Superior: apenas 7% obtiveram a pior pontuação, enquanto 59% ficaram com os maiores scores.

Grande distância também se revela na comparação entre extratos sociais. Na classe A, a grande maioria (83%) está na melhor faixa de pontuação e apenas 1%, na pior. Por outro lado, entre as pessoas nas Classes DE, a realidade é totalmente distinta: apenas 1% delas está na melhor faixa e a maioria (64%), na pior.

Qualificação para o uso da Internet

Os pesquisadores analisaram a relação entre os diferentes níveis de conectividade significativa e os tipos de uso da Internet e a qualificação dos brasileiros para utilizar a rede. A avaliação foi feita com base nas habilidades digitais e as atividades realizadas no ambiente online.

Processados para o total de usuários de Internet em território nacional – não para a população como um todo -, os resultados mostram uma associação direta entre conectividade significativa e habilidades digitais. Quanto melhores os scores de conectividade significativa, maiores as competências técnicas para lidar com as tecnologias, evidenciando que aqueles com condições de acesso mais frágeis são justamente os com menos competências para mitigar os riscos associados aos usos da rede.

Os pesquisadores analisaram também 14 atividades diferentes, agrupadas em três grandes tipos: “comunicação e entretenimento”, “busca de informações” e “atividades transacionais” – estas últimas envolvem a troca de informações, bens ou serviços entre usuários, empresas ou organizações. A relação entre melhores condições de conectividade e maior incidência de realização das atividades no ambiente virtual é explícita, ainda que em gradações diversas.

Para atividades de sociabilidade primária ou de entretenimento (tais como envio de mensagens instantâneas, uso de redes sociais e assistir a vídeos online), por exemplo, o nível de conectividade significativa teve menos efeito, diferentemente do que aconteceu no caso de atividades de maior complexidade e com maior potencial para emancipação das pessoas, como aquelas associadas à busca de informações sobre direitos e serviços, e atividades de natureza transacional, como operações financeiras e usos de serviços digitais de governo.

O estudo na íntegra está disponível no site: https://cetic.br/pt/publicacao/conectividade-significativa-propostas-para-medicao-e-o-retrato-da-populacao-no-brasil/

Seminário

“Conectividade Significativa: propostas para medição e o retrato da população no Brasil” faz parte da série Cadernos NIC.br de Estudos Setoriais. Além de Graziela Castello, coordenadora da pesquisa, participaram da publicação Sonia Jorge e Onica N. Mkwakwa (Global Digital Inclusion Partnership), União Internacional de Telecomunicações (UIT) e Fernando Rojas (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas – CEPAL).

O lançamento do documento aconteceu durante o Seminário Conectividade Significativa, realizado pela Câmara de Universalização e Inclusão Digital do CGI.br, nos dias 16 e 17 e abril, em Brasília. Para rever o evento, acesse o canal do NIC no Youtube.

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