Escondidos em uma sala de aula de química de uma escola secundária no norte de Indiana, nos Estados Unidos, há manômetros destinados a ensinar um princípio fundamental da química conhecido como a Lei de Boyle. No entanto, a professora de química da Hobart High School, Melissa Higgason, utiliza uma variedade de itens aparentemente aleatórios, incluindo mini marshmallows, garrafas plásticas de água, balões e conta-gotas, para inspirar seus alunos a projetar seus próprios experimentos e ver o que acontece com o gás em diferentes condições.
“Existem simulações em que os estudantes mudam uma variável e observam como um número sobe e desce”, disse Higgason. “Mas as leis dos gases são muito abstratas. É difícil para eles fazerem todas essas conexões sem experiências práticas que sejam relevantes”.
Embora Higgason tenha décadas de experiência em educação, ela admite que a ideia de usar itens do cotidiano para ensinar física veio de um assistente de ensino impulsionado pela ferramenta IA Khanmigo for Teachers, um programa piloto apresentado no em 2023 pela Khan Academy, a organização educacional online sem fins lucrativos criada em 2008 por Sal Khan, com a missão de proporcionar educação gratuita e de alta qualidade para qualquer pessoa, em qualquer lugar.
A Microsoft e a Khan Academy anunciaram durante a Microsoft Build uma nova parceria que tem o objetivo de levar ferramentas de IA que economizam tempo e melhoram as aulas para milhões de educadores. Ao doar o acesso à infraestrutura otimizada para IA do Azure, a Microsoft permite que a Khan Academy ofereça aos educadores de K-12, que compreende alunos dos ensinos infantil, fundamental e médio, nos Estados Unidos, acesso gratuito ao piloto do Khanmigo for Teachers, que agora contará com a tecnologia do Azure OpenAI Service.
As duas empresas também colaborarão para explorar oportunidades para melhorar as ferramentas de IA para tutoria de matemática de maneira acessível, escalável e adaptável com uma nova versão do Phi-3, uma família de pequenos modelos de linguagem (SLM) desenvolvidos pela Microsoft.
Com as ferramentas de IA, os professores têm mais tempo para se dedicar aos alunos
“Eu uso o Khanmigo para dar vida à minha sala de aula, tornando-a divertida e envolvente”, disse Higgason. Por exemplo, em outra aula de Higgason, a ferramenta sugeriu explicar as equações iônicas líquidas perguntando aos alunos se eles já haviam estado em uma festa, comparando os íons aos dançarinos que trocam de parceiro.
Além de oferecer planos de aula criativos, a solução fornece uma variedade de sugestões e ferramentas impulsionadas por IA, aliviando as cargas administrativas que contribuem para o esgotamento dos docentes Com um clique em um painel na tela, em menos de um minuto, os professores podem gerar planos de aula personalizados, sugerir agrupamentos de alunos ou “aumentar” ou diminuir o nível de passagens de texto para os estudantes que têm dificuldades ou precisam ter mais desafios para aprender. Utilizadas em conjunto, a Khan Academy estima que essas ferramentas podem economizar aos professores, em média, cinco horas de trabalho por semana.
“Os professores estão muito sobrecarregados de trabalho”, disse Sal Khan, observando que um número recorde de docentes deixou a profissão. As áreas escolares em áreas carentes foram especialmente afetadas, e os profissionais citam os baixos salários e as cargas de trabalho insustentáveis, exacerbadas pela pandemia de COVID-19, como algumas das principais razões para deixar o ensino. O uso da IA para a educação não é apenas uma maneira poderosa de ajudar potencialmente a acelerar a aprendizagem dos alunos, disse Khan, mas também é uma forma de “tornar o ensino mais sustentável”.
Oferecendo experiências educacionais de alta qualidade para mais alunos
Embora tenha recebido críticas muito favoráveis de professores como Higgason desde seu lançamento em março de 2023, o Khanmigo antes custava aos professores 4 dólares por mês. As tarifas cobriam o custo de desenvolver e testar a nova tecnologia e acessar os grandes modelos de linguagem (LLM) que impulsionam a ferramenta.
Como parte da nova parceria, as soluções para professores da Khan Academy agora contarão com a tecnologia do Azure OpenAI Service. A doação de infraestrutura do Azure pela Microsoft permitirá que a organização educacional sem fins lucrativos amplie essas ferramentas para professores de maneira mais ampla e as ofereça a todos os professores sem nenhum custo.
As empresas também explorarão como pequenos modelos de linguagem (SLM), como a nova família de modelos Phi-3 da Microsoft, que podem funcionar bem para tarefas de IA mais simples e são mais econômicos e fáceis de usar do que os modelos maiores, poderiam ajudar a melhorar e ampliar as ferramentas de tutoria de IA. Para esse fim, a Khan Academy colabora com a Microsoft para explorar o desenvolvimento de novos modelos de linguagem pequena de código aberto baseados em Phi-3. O objetivo do trabalho exploratório é habilitar capacidades de tutoria de matemática de última geração de uma maneira acessível e escalável.
Os pequenos modelos de linguagem oferecem muitas capacidades encontradas também nos grandes modelos de linguagem, mas são menores e treinados com quantidades menores de dados. Eles também são projetados para ser mais acessíveis e fáceis de usar para organizações com recursos limitados.
O novo acordo com a Khan Academy também dará à Microsoft acesso a conteúdo educacional explicativo, como questões de problemas matemáticos e respostas passo a passo, para desenvolver capacidades de tutoria de matemática impulsionadas por IA através do Phi-3. A instituição também fornecerá feedback contínuo e dados de avaliação comparativa para avaliar o desempenho. Nenhum dos dados de usuários da Khan Academy será utilizado para treinar o modelo.
Khan está entusiasmado com a oportunidade de colaborar com a Microsoft para treinar pequenos modelos de linguagem na tutoria de matemática, uma área em que vê um grande potencial. Os pequenos modelos de linguagem não são apenas mais fáceis de personalizar do que os grandes para tarefas específicas, como o ensino de matemática, inglês ou química, mas também são mais eficientes. “Se eles puderem ser comparáveis aos grandes modelos de linguagem de ponta, mas a um custo muito menor, isso aumenta drasticamente a velocidade com que podemos tornar isso acessível para mais pessoas”, disse Khan.
No futuro, ele espera que os pequenos modelos de linguagem que operam localmente em um dispositivo (em vez de na nuvem) criem oportunidades para fornecer ferramentas e tutores aos professores em escolas com recursos limitados fora dos Estados Unidos e que carecem de infraestrutura de computação.
Finalmente, as duas organizações também trabalharão para integrar mais conteúdo da Khan Academy no Copilot e no Teams for Education, uma versão gratuita do popular aplicativo Teams da Microsoft para melhorar a colaboração e o aprendizado personalizado para atender às necessidades de educadores e alunos. A integração tornará a vasta biblioteca educacional da Khan Academy disponível para ainda mais estudantes, enquanto fornece conteúdo de alta qualidade aos usuários do Copilot e do Teams for Education.
Tutoria com IA e o método socrático
De volta a Hobart, Indiana (EUA), os alunos da turma de Higgason, que têm acesso a um conjunto separado de ferramentas de aprendizado Khanmigo impulsionadas por IA apor meio do programa de parceiros Khan Academy Districts, adotaram o método de tutoria socrática conversacional, caracterizado por perguntas alegres e enérgicas para fomentar o pensamento crítico dos alunos.
Eles também acolheram as sugestões criativas do assistente de ensino de IA para animar as aulas de química, geralmente entediantes, que economizaram tempo da professora Higgason. “Não pensei que um marshmallow e um conta-gotas pudessem ser usados para mostrar uma lei dos gases em um laboratório”, disse Madisyn Sanders, uma estudante do segundo ano de 16 anos. “Foi um experimento muito interessante”.
“Khanmigo aprende da mesma maneira que eu”, acrescentou Aleksandar Tatum, de 16 anos. “É quase como se ele desse passos comigo, me ajudando a construir uma conexão para me ajudar a compreender melhor os tópicos”.
O uso de IA para trapaças é uma das principais preocupações de muitos pais e professores, mas trapacear é difícil com Khanmigo, pois ele não escreve pelos alunos. Em vez de fornecer respostas, Khanmigo faz perguntas e oferece suporte como faria um tutor.
Na aula de inglês, Tatum e seus colegas foram convidados a ler “Romeu e Julieta” e depois escrever uma história que mudasse algumas passagens. Tatum pediu ao Khanmigo que descrevesse uma cena que ele tinha dificuldade em lembrar. “Era uma pergunta genuína que eu tinha sobre o Ato 1 Cena 3”, disse ele. Mas a ferramenta respondeu: “Estou aqui para te ajudar a criar uma história”, e Tatum teve que voltar ao texto original para refrescar sua memória.
Quando Jzehbel García, de 17 anos, pediu ao Khanmigo que fornecesse a fórmula da “molalidade”, outro conceito abstrato da química, a ferramenta respondeu com uma dica e depois com uma pergunta: “Quais duas peças de informação você acha que precisa para calcular a molalidade?”.
“O que é realmente bom, do ponto de vista de um professor, é que a ferramenta não dá respostas aos meus alunos. Faz perguntas”, disse Higgason. “A ciência se trata de fazer perguntas realmente boas. É assim que aprendemos, crescemos e inovamos”.
A Khan Academy também guias e mecanismos de segurança em Khanmigo. Mensagens no topo da tela notificam os alunos de que seu histórico de bate-papo e atividades são visíveis para pais e professores. O sistema também marca automaticamente as perguntas ou comentários dos alunos que são considerados problemáticos, para que os professores possam revisar e decidir se é necessário fazer um acompanhamento com o estudante.
Uso das ferramentas de Khanmigo para professores para atender às necessidades únicas dos alunos
Antes de Khanmigo ser apresentado na escola Hobart, nos Estados Unidos, em 2023, “eu sentia que estava me afogando”, disse Stephanie Franco, uma especialista em ensino que apoia mais de 40 alunos que ainda estão aprendendo inglês, colaborando com mais de 70 professores localizados em dois prédios diferentes no campus da escola.
Ela estava cética quanto à introdução da IA nas salas de aula, preocupada, como muitos pais e educadores, que isso levaria a trapaças. Mas uma vez que descobriu as ferramentas de tradução de Khanmigo, “foi um grande avanço”, disse Franco. Antes, ela passava horas revisando as tarefas de seus alunos para mudar a redação ou o vocabulário.
Agora, ela apenas cópia e cola essas tarefas na função de chat do professor de Khanmigo e escreve “faça isso compreensível para um aluno da 7ª série”. Em questão de segundos, disse ela, ela tem uma nova tarefa adaptada às necessidades de seus docentes: “Então, em vez de meus alunos não poderem ser incluídos nas mesmas tarefas que seus colegas de classe, já que ainda estão aprendendo inglês, agora posso fornecer uma tarefa semelhante que se adapte melhor às suas necessidades de aprendizado”.
Além de oferecer suporte aos alunos multilíngues, Franco também ensina inglês como segunda língua. Novamente, ela recorre a Khanmigo para criar planos de aula e prompts para envolver seus alunos na discussão. “Eu digo: ‘Me ajude a encontrar uma história que auxilie meus alunos com a compreensão de leitura’. Ou posso contar a Khanmigo sobre uma história famosa e ele inventa perguntas para fazer aos alunos”, disse.
Fazer perguntas não é algo natural para a maioria dos alunos do ensino médio. Escrever também é um desafio para muitos, que não sabem por onde começar. Ben Horjus, que ensina redação e composição de ensaios em Hobart, disse que muitos docentes do ensino médio “lutam para escolher uma área de foco, reconhecer fontes confiáveis e sintetizar informações para que possam desenvolver uma postura apoiada pela pesquisa. Neste vasto mar de informações, é difícil para eles saber como navegar e não se sentir perdidos”.
Com esses desafios em mente, Horjus utiliza várias ferramentas para professores do Khanmigo, incluindo a função de “objetivos de aprendizado”, que lhe dá ideias para tarefas dos alunos junto com atividades e tópicos de discussão. Ele também gosta de usá-lo para desenvolver guias de instrução individuais ou para grupos. E está ansioso para usar a função de “nivelador”, que pode ser usada para simplificar textos complexos, para desmistificar as partes mais desafiadoras de “The Crucible”, que planeja ensinar no próximo outono.
Fechando o círculo
De muitas maneiras, disse Khan, o advento do ensino e aprendizado impulsionados por IA é um retorno às origens da educação, quando a tutoria 1:1 era a norma. Alexandre, o Grande, o conquistador macedônio, foi instruído por Aristóteles, o filósofo grego, que por sua vez foi instruído por Platão, que por sua vez foi tutorado por Sócrates, que foi pioneiro no método socrático de fazer perguntas para guiar os seus alunos ao conhecimento.
“Você poderia imaginar que se o jovem Alexandre tivesse dificuldades com algum tema, Aristóteles desaceleraria ou aceleraria, ou se certificaria de que este jovem que será um futuro rei ou imperador se dedicaria ao seu aprendizado”, disse Khan.
Ao se associar com a Microsoft, Khan espera fornecer mais apoio aos professores para que possam levar o ensino e o aprendizado personalizados a mais salas de aula, permitindo que muito mais alunos um dia ajudem a resolver os desafios mais difíceis do mundo. “Podemos usar as mesmas ferramentas”, disse Khan, “para tratar cada criança como um futuro imperador”.